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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Do marido que vendeu a mulher para o Diabo - José Omar Junqueira

O senhor José Omar Junqueira, também conhecido como Bispo, nasceu em 1933 na cidade de Luminárias - MG, onde passou a maior parte de sua vida exercendo o ofício de carpinteiro. Hoje aposentado mora em Três Corações – MG. No vídeo a seguir ele nos conta um conto tradicional que revela a profunda religiosidade do nosso povo brasileiro.


                                        


À luz dos escritos de Câmara Cascudo podemos identificar algumas características deste conto que revelam traços da cultura do nosso povo. A seguinte passagem revela a crença no poder de presentificação do nome (que foi explorada no caso do peão Paulino):
 “- ‘Se o Diabo quisesse fazer um negócio comigo eu fazia. Pra mim ter dinheiro pra comprar esse vinho.’ Ah! Foi ele falar isso, o bichão apareceu!”
O Diabo aparece imediatamente e engana o homem com uma proposta aparentemente fácil de ser cumprida:
“Não! Não precisa ter medo não! Só tem uma coisa, o que eu vou exigir é só isso: a hora que você for embora, que você apontar no morro lá e que ver a sua casa, o que tiver na... a primeira coisa que você enxergar na porta da sua casa, você traz pra mim. É só! Não precisa mais nada. E pode beber seu vinho aí, tem dinheiro que dá pra você beber vinho a vida inteira!”
Para a tristeza do lenhador, o que ele vê primeiro na porta de sua casa é a própria esposa. Teria então que entregar a mulher para o Diabo. Porém, Nossa Senhora vai em seu lugar:
 “Quando chegou perto o bichão olhou na cavaleira assim: ‘- Num é essa não! Num é essa não!’ E coisa ‘– Num é essa não!’ (...) E deu aquele estouro, deixou um cheiro de enxofre lá e sumiu.”
Na novelística popular brasileira, quase sempre que o Diabo é confrontado com Nossa Senhora, Jesus ou a Oração do Credo, desaparece fazendo um barulho e deixando fumaça com cheiro de enxofre. Isto ocorre, por exemplo, ao fim do conto “As perguntas de Dom Lobo”:
“O homão rangeu os dentes como um desesperado porque não podia dizer o santo nome de Jesus cristo. Deu um estouro que estremeceu tudo e subiu aquela bola de fumaça cobrindo o mundo.”
E ao fim do conto “Audiência do Capeta” (em que o Capeta toma a forma de um gatinho), ambos presentes no livro “Contos Tradicionais do Brasil” de Luís da Câmara Cascudo:
“... e ele apanhano um bom porrete, desandou com ança, mas porém, na cabeça do gatim, que deu aquele estouro que fedeu enxofre pru treis dias.”
Segundo Cascudo, todos os contos brasileiros em que aparece a figura do Diabo pertencem ao ciclo dos contos catequísticos. Este conto é um exemplo disto, o que é confirmado pela última fala do Sr. Omar:
 “E aí ele pegou o saco de dinheiro, jogou lá... fora. Converteu. Não quis saber mais de ouro pra beber cachaça não. Nossa Senhora salvou a esposa dele, salvou por causa da reza dela de todo dia.”

Referência Bibliográfica:
CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. 13ª Ed. São Paulo: Global, 2009.


O marido que vendeu a mulher para o diabo - José Omar Junqueira
Havia um lugar que fabricava um vinho muito bom. E tinha um lenhador - desses que corta lenha lá pro mato. E... ele gostava muito de vinho, e lá fabricava esse vinho muito bom. E aí um dia ele tava lá cortando lenha e pensando:
- Ô gente, eu gosto tanto desse vinho que ês fabrica aí! E eu num ganho nada. O que eu ganho não dá nem pá minha despesa e pá minha esposa. Se o Diabo quisesse fazê um negócio comigo eu fazia, pra mim tê dinheiro pra comprá esse vinho.
 Ah! Foi ele falá isso, o bichão apareceu:
- Eu às suas ordem! Tem aqui um saco de dinheiro, um saco de ouro pr’ocê bebê o seu vinho à vontade.
Ele ficou mei espantado com aquilo, porque num fazia... pensá no diabo pra arrumá o dinheiro e o diabo aparecê. Ele ficô mei sem jeito e tudo. E o diabo:
- Não! Não precisa ter medo não! Só tem uma coisa, o que eu vou exigir é só isso: a hora que ocê fô embora, que ocê apontá no morro lá, que vê a sua casa, o que tivé na... a primeira coisa que enxergá na porta da sua casa, traz pra mim, é só! Não precisa mais nada. E pode bebê seu vinho aí, tem dinheiro que dá pr'ocê bebê vinho até... a vida inteira.
Ele pensô assim:
- Ah, lá na porta da minha casa o que eu vou enxergá lá é uma cachorrinha magra que eu tenho... ou uma gatinha... umas galinhinha... não tem problema não!
E foi. Quando ele apontô, que viu a casa, a esposa dele na porta! Ele perdeu o jeito, mas perdeu o jeito de uma vez.
- E agora? Mas o jeito que tem é levá a esposa. Porque se eu não levá a esposa, eu é que vou morrê. O trato dele lá é esse.
E chegô em casa sem jeito, falô pra esposa:
- Amanhã cê vai comigo lá, pr'ocê ajudá a empilhá a lenha.
Ela achou mei esquisito aquilo porque ela tinha ido lá há pouco tempo, né? Pilhado... Agora tornô chamá... Ela ficou mei sem jeito com aquilo, mas aceitô e foi. Ele falô pra ela:
- Cê vai lá na mula, que ela tá meiguinha e eu vou a pé.
E pegou a mula e tudo no outro dia, e foi, a esposa muntou e ele foi.
E a esposa dele costumava rezá numa igrejinha que tinha perto da casa onde ês morava, no caminho tinha uma igrejinha, de vez em quando ela costumava rezá lá. Quando chegô perto dessa igrejinha ela falô pra ele:
- Espera um pouquinho aqui, que eu vô ali rezá uma Ave Maria e vorto, num demoro não.
Foi e vortô logo. Muntô na mula e foi embora. Quando foi chegando lá ele já viu o bichão lá. Lá, com o esporão! Raspava aquela espora no chão:
- Opa! Hoje eu feito!
Quando chegô perto, o bichão olhô na cavaleira assim:
- Num é essa não! Num é essa não e coisa! Num é essa não!
- É essa mêmo uai, minha esposa é essa aí.
E deu aquele estouro, deixô um cheiro de enxofre lá e sumiu! Ele vortô do susto...
- É... Eu trouxe a esposa, ele num quis! Agora eu fico com o dinheiro. E a esposa. Fico com o dinheiro e a esposa.
Já, ela num chegô nem descê do cavalo, ele pegô na rédea e puxô e foi embora. Quando chegô na igreja, ela disse pra ele:
- espera um pouquinho aqui, vô rezá uma Ave Maria e vorto.
E foi... Mas chegô lá e não vortava nunca! Uma hora, duas... e ele incomodado:
- Gente! E nem... e nem o meu fumo eu trouxe... e palha pá fazê um cigarro... e essa mulher não vem nunca. O jeito é ir lá, ir lá ver o quê que ela tá fazeno.
Quando chegou lá ela tava deitada, ele foi e chamô:
- Ô, mas eu tô pensano que cê ta rezano, cê ta deitada dormino aí?
Ela acordô e falô pra ele:
- Ô, mas ocê me acordô numa hora ruim! Eu tava sonhano que ocê me vendeu pro diabo! E eu cheguei aqui, Nossa Senhora falô pra mim: “Fica aqui fia, que o seu marido vendeu ocê pro Diabo, e eu vou no seu lugar!”
Muntou na... Aí ela levantô, muntô na mula e foi. E aí ele pegô o saco de dinheiro e jogô lá... fora e converteu. Não quis sabê mais de ouro pra bebê cachaça não. Nossa Senhora sarvô a esposa dele, sarvô por causa da reza dela de todo dia.

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