CONHEÇA OS CAUSOS

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O caso do peão Paulino - Balbino de Souza Rezende

Quem nos conta este causo é o sr. Balbino de Souza Rezende, nascido na cidade de Itumirim-MG em 1937. É motorista aposentado e atualmente vive em Carrancas - MG.

No vídeo, o Sr. Balbino diz:
Mas o homem não morria nem vê sô! Ele era muito forte, né? E até falaram que ele tinha pacto com o Coisa-ruim, antigamente usava essas coisa, né?”
Notamos nessa fala a sobrevivência do costume de não falar o nome do Diabo, pois acredita-se que o nome tem  poder de presentificação, falar o nome é chamar à presença. Esse é um costume que sobrevive desde a Grécia Antiga, como nos diz Luís da Câmara Cascudo no verbete “Nome” de seu Dicionário do Folclore Brasileiro:
“Esse respeito ao poder invocador do nome era patrimônio também da Grécia e do mundo clássico. Os gregos não pronunciavam ou pronunciavam o menos possível o nome de Átropos (a Morte), temendo que a terrível deusa atendesse ao apelo involuntário.”
É devido a esse costume que o nome do Diabo é comumente substituído por numerosos outros nomes. Em O léxico de Guimarães Rosa, Nilce Sant’Anna Martins afirma que a palavra Diabo “tem ocorrências numerosas e a sua sinonímia é deveras abundante”, citando A cultura popular em Grande sertão: veredas de Leonardo Arroyo que ressalta que esta sinonímia “alcança 92 vocábulos na Linguagem de Riobaldo”, Martins elenca todos esses sinômimos, dentre os quais: Berzebu, Capiroto, o Coisa-Ruim, o Cujo, o Demo, o Não-sei-que-diga, o Sem-gracejos, o Temba, o Tisnado, O-que-nunca-se-ri, Xu.
Na história do peão Paulino, são duas as causas da desconfiança de que ele tivesse “parte como o Coisa-ruim”: o fato de ser muito bom amansador de burros e a dificuldade que encontraram ao tentar matá-lo. Diz-se que a pessoa se tornava pactária para conseguir favores do “Cão”, tais como aprender a tocar viola, conseguir amansar qualquer animal ou nunca ser ferido por seus inimigos.
Luís da Câmara Cascudo aborda a questão do pacto em algumas obras. No livro Flor de Romances Trágicos que traz histórias de vida de cangaceiros famosos homenageados pelos versos populares no nordeste brasileiro, não é difícil encontrar alusões ao pacto com o Diabo:
“Diziam-no possuidor de pauta com o diabo, livrando-se de balas e tendo misteriosos avisos evitadores das emboscadas, dispostos pelos numerosos inimigos.”
O pacto com o Diabo também é abordado no romance Grande sertão: veredas de João Guimarães Rosa: o antagonista Hermógenes é um pactário e o protagonista Riobaldo busca fazer o pacto para conseguir derrotar seu inimigo.
“E, veja, por que sinais se conhecia em favor dele (Hermógenes) a arte do Coisa-Má, com tamanha proteção? Ah, pois porque ele não sofria nem se cansava, nunca perdia nem adoecia; e, o que queria, arrumava, tudo; sendo que, no fim de qualquer aperto, sempre sobrevinha para corrigimento alguma revirada, no instinto derradeiro.”
Cascudo ressalta que muitas vezes confunde-se o pacto com o fechamento de corpo. Em Meleagro ele esclarece que o fechamento de corpo tem somente a finalidade de defesa, enquanto que o pacto com o Diabo garante além da defesa outras vantagens e habilidades para o pactário.
“No Catimbó há o processo da imunização de todo o corpo, fazendo-o impenetrável às balas quentes e às facas frias, águas mortas e vivas, fogo, dentada peçonhenta, praga e malefício.”
Essa defesa conseguida através do fechamento de corpo aparece em Flor de romances trágicos:
“Diziam-no com o corpo fechado porque nunca fora ferido à bala embora inúmeras vezes seus inimigos descarregassem toda a carga dos revólveres à queima-roupa.”
Há uma grande semelhança entre esses escritos de Luís da Câmara Cascudo e o relato do Sr. Balbino:
“Amarrou ele no pé do cruzeiro, um cruzeiro muito forte também, uma madeirona grossa, né? Aí... mas... judiaram! Dava tiro no homem, mas o homem não morria nem vê.”
Referências Bibliográficas:
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 11ª ed. São Paulo: Global, 2008.
_______. Meleagro: pesquisa do Catimbó e notas da magia branca no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Agir, 1978.
_______. Flor de romances trágicos. Rio de Janeiro: Cátedra, 1982.
MARTINS, Nilce Sant’Anna.  O léxico de Guimarães Rosa. São Paulo: EDUSP, 2001.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.


O caso do peão Paulino – Balbino de Souza Rezende
Antigamente, aqui em Carrancas, pareceu um peão argentino aí. Chamava Paulino Franco, aí veio mansar tropa, mansá tropa nas fazenda aí. Ficô aí, ficô mais de um ano aí mansando tropa. E muito esperto, muito ativo, louco, era forçoso...
Aí ficô gostano de uma moça na fazenda aí, né? Ela chamava Jorgina. Aí começô um namorico lá e ele pediu ela em casamento. Naquele tempo o namoro era bem... os pai parpitava muito, a famía, né? Dava muito parpite e tudo, né? Mas ele ficô gostano dela, ela era uma costureira, aí pediu ela em casamento, mas não sabe por que... a famía não aceitô. Não quis o casamento dela com o peão Paulino não.
Aí quando foi na festa aqui de dezembro, todo ano faz a festa em dezembro aqui. Em mil oitocentos e noventa e dois, dezembro de mil oitocentos e noventa e dois! Aí muita barraca na rua, aquele movimento de gente, era muito animada a festa, né?
De repente, pusero lá, não sabe quem que pusero, uma tabuinha envernizadinha, arrumadinha com o nome né? Com o nome do peão.
Quando o leiloeiro gritô lá, botô no leilão, e veio, ninguém pôs lance não né? Mas o leiloeiro já veio com a tábua e entregô pro peão, né? Uma tabuinha bonitinha assim com o nome dele, né? Aí ele não sabia do costume não, ele era argentino. Aí:
- Pra quê? O quê que representa essa tábua aí?
Ês riro muito dele, que a turma do lugá já sabia, né? Da história... Aí um virô pra ele e falô:
- Não, isso aí é assim: quando um rapaz pede em casamento pra uma moça que não aceita, ês fala: “Leva a tábua! Toma a tábua!”
Levou a tábua.
Ê... mas o rapaz ficou envenenado! Nossa! O peão foi na lua e vortô. Num aceitô a história nem vê.
E quando foi de noite, no outro dia ia ter um leilão, teve leilão e depois teve uma festa, um baile, no casarão, ainda existe até hoje lá na praça, lá embaixo, né? O casarão da família do Coronel Rozendo.
Aí ele arrumô direitim tudo, aprontô, pra vingá da moça. Aí quando foi certa hora ele – dizem que tava dançano com a moça, outros fala que não tava – quando a moça foi passano perto, ele punhalô ela. Ele era muito treinado, esperto, ativo, né? E foi uma facada só, a moça logo, logo caiu e morreu mêmo. Quando ês cataro no chão já tava morta.
Aí foi aquele arvoroço e tudo lá, no salão. E ele encostô na parede com a faca, com o punhal na mão, e ninguém chegava perto dele. Í... mas ficô valentão mêmo!
Aí quando foi certa hora, um home, um fazendêro que tava dormino, viu o arvoroço, acordô, né? Veio por trás escondido, pegô a tranca da porta, deu uma trancada na cabeça dele! Aí ele bambeô e jogô no chão, né?
Aí ês pegaro, chegaro, marraro, marrô ele tudo, né? E começô a judiação, até no ôtro dia! Mas o home num morria nem vê, sô! Ele era muito forte, né? E até falaro que ele tinha pacto com o Coisa-ruim, antigamente usava essas coisa, né?
E quando ele, pôs ele lá no terreiro lá, marrô depois levô, marrô deitado, depois levô pra praça. Tinha um cruzêro na praça ali em baixo, né? Marrô ele no pé do cruzeiro, um cruzêro muito forte tamém, uma maderona grossa, né? Aí... mas... judiava! Dava tiro no home, mas o home não morria nem vê.
Aí foi priciso, uma dona muito religiosa é que trouxe uma vela benta, uma bala benta, né? Passô na vela da igreja, aí conseguiu terminá com ele, né?
Mas ó: mesmo assim ainda correu com ele pra cidade inteira. Falava que ia até quemá o corpo! Depois um fazendêro da época num aceitô não, quemá não.
Fizero um túmulo, uma sepultura pra ele de fora da igreja - aí depois dismanchô - de fora do cemitério, né? E enterrô ele lá. Fez lá um túmulo, pôs um monte de pedra assim, né?
Aí ês fala que até quem pegava caso difícil pá resorvê, pegava com a “arma” dele e era atendido, diz que recebeu até graça com a “arma” do peão Paulino.
Agora, isso foi em mil oitocentos e noventa e dois, já tem muitos anos, né? Cento e tantos anos, né? Mas até hoje o povo lembra dessa história, num esquece. Conteceu aqui em Carrancas e esparramô aí por roda, por Minas Gerais inteira aí né? Na época foi uma novidade muito grande, uma brutalidade dessa, umas coisa esquisita, né?

Um comentário:

  1. Não é apenas o Aecinho que precisa de um triste fim, não! Gente que faz apologia de um criminoso também merece um triste destino.

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